12 julho 2009

Lost e o fim da TV

Um dos maiores sucessos da televisão vai destruir a própria TV. Entenda como, saiba o que vai mudar e veja por que você será um dos protagonistas desta história

Com este texto de abertura, Tiago Cordeiro faz um artigo para a Super Interessante com reflexões sobre os rumos da produção televisiva e a nova maneira de se assistir TV. Veja mais no sítio da revista:

30 janeiro 2009

A preterida

Jô Domingos

Na condição de assíduo novelespectador (acabo de cunhar um neologismo) que fui do final dos anos 1980 ao longo dos 1990s, passei a aceitar que na teledramaturgia alguns detalhes do mundo real precisam ser omitidos, quando não arranjados a fim de que o produto ficcional final pareça credível ao público. Contudo, as novelas em geral, e a atual trama das 20h da rede Globo em particular, extrapolam todos os elementos possíveis à verossimilhança com a vida real de uma ficção.

Quando me refiro em particular à novela das 20h da Globo, é porque tenho tido tempo e uma pertinácia rara para assisti-la. Assim, tenho percebido que A favorita, terceira novela de João Emanuel Carneiro, tem se mostrado insuperável em matéria de inverossimilhança e argumentação inconsistente. Não entendo como esta novela com tantos deslizes técnicos consegue 41 pontos na audiência.

Comecemos pela trama central, que tem furos absurdos: Flora é uma ex detenta que em 18 anos num presídio, brasileiro, aprendeu a falar várias línguas, inclusive Grego. Conhece a França tão bem (sem nunca ter estado lá antes), que pela primeira vez quando esteve em Paris com Lara e Irene orientou um taxista francês que se perdera nas ruas parisienses. É preciso ser dono de um intelecto excepcional para saber vários idiomas, reconhecer por nome cada recanto de Paris (melhor até que um francês), conhecer e saber detalhes das obras de Picasso, Brecheret, Frida Kahlo, Oscar Niemayer além do cinema de Fellini e Pasolini somente lendo livros velhos num quarto escuro de uma penitenciária. Mas o talento prodigioso de Flora não fica “só nisso”: ainda no presídio ela fez curso de adiministração de empresas, informática (sim, porque 20 anos atrás uma caipira não tinha acesso a computador), etiqueta e bons modos, e como prova disso, ganhou a função de uma respeitável executiva no grande grupo empresarial Fontini logo que saiu da cadeia.

É deveras espantoso o poder de Flora dentro e fora da prisão. Quando reclusa, a ex-caipira desfrutava de certos “privilégios” com a proteção de uma cúmplice carcereira, Zezé. Em troco de que a funcionária da penitenciária facilitava os planos sádicos de Flora? E Dodi e Silveirinha, que ficaram quase duas décadas desfrutando do conforto no lar dos Fontini esperando o retorno da comparsa para realizarem “a grande vingança” da assassina. Curioso é que os dois não fizeram nada para ajudar a colega a sair da prisão; pelo contrário, Silveirinha ajudou a Donatela para impedir qualquer contato da Lara com a mãe biológica. Na verdade, os gestos e desejos insanos de Flora poderiam se explicar considerando a galega como portadora de uma síndrome psicopata. Mesmo estando no plano volitivo da mente patológica de Flora, seus planos mirabolantes não encontrariam condições de se concretizar no plano real. Mesmo assim, o autor do folhetim não se cansa de arquitetar semanalmente as ações mais esdrúxulas possíveis para a trama, que só tornam a personagem da Patrícia Pillar ainda mais surreal ao mesmo tempo que satura aquela parcela menos incauta do público.

A última mancada na argumentação da novela foi a fusão da Fontini com uma empresa americana falida. Tudo bem que Irene, Harley e Lara não entendam nada de negócios, e quanto ao conselho administrativo da Fontini? Num negócio de bilhões de dólares, nenhum conselheiro se dispôs a querer saber como era a situação da tal Wpaper. Mais; todo o negócio foi feito da noite para o dia, literalmente. E a morte do Gonçalo? Que circo mal armado foi aquele por João Emanuel Carneiro digo, Flora? Sabemos que Flora subornou o chefe da segurança. Mas tal gesto fez todos os outros empregados do rancho virar pó, pois ninguém viu nem ouviu nada. Nem a luz que foi cortada, a casa coberta de sangue para criar um clima aterrorizante (foi bem canhestra a cena, inclusive a atuação da Patrícia Pillar), os tapetes e a casa sendo lavados por Flora e Silveirinha já com o dia amanhecendo? “D. Irene” e Lara chegam em seguida e não percebem nada; só elas mesmo que não perceberam.

Bom, se formos elencar todos os planos ridículos de Flora nesta novela, teremos então que escrever um livro, pois um texto como este aqui seria insuficiente. Porém, quero terminar com dois “detalhes” bem piculiares de A favorita: primeiro, nesta reta final da estória o autor caiu num clichê tão desnecessário quanto irreal; todas as personagens más tendem a uma redenção das maldades que irrita o telespectador. Vejamos: Dedina trai o marido com o melhor amigo, tranforma a vida dos 2 num inferno. É rejeitada por ambos, vaga pelas ruas, mas ganha deles o perdão e morre. Simples assim. O Léo, em alguns momentos mais vilão do que Flora, perde o emprego, é abandonado pela família, mas no natal tem a compaixão de todos, inclusive da mulher tão por ele humilhada. O deputado Romildo Rosa, depois de locupletar-se às custas do povo, financiar o tráfico de arma, superfaturar obras públicas etc, etc, se redime, se desculpa com toda a família. E todos o perdoam. Comovente! A ex-guerrilheira e presidiária Diva Palhares/ Rosana abandonou a família, enganou os 2 amantes, mentiu, traficou armas, matou na prisão e fugiu, mas resolveu contar tudo, se arrepender, se entregar a polícia, e com isso todos a perdoam, principalmente os amantes corneados. Certamente terá um happy end. Tão imprevisível esse autor! E por fim, Maria do Céu. A mocinha, (aqui não cabe nem citar Nelson Rodrigues, pois nem bonitinha ela é, só ordinária) sem nenhum caráter -agora coube Nelson- foi responsável pela morte do próprio pai, humilhou a irmã, engravidou de um, casou-se, para dar um golpe, com outro. Mas o autor quis que ela se apaixonasse pelo marido (o rapaz dá um piti quando duvidam que ele é gay) e ele por ela. Quando a família do marido fica sabendo de tudo a perdoa, pois como Céu a mãe de seu sogro também se deitara por dinheiro um dia.

Afinal, o que essa novela tem de especial para tamanha audiência? Nada. Apenas banaliza questões já tão insuportáveis de se ver na vida real como a falta de ética moral, machismo, homofobia, violência doméstica, corrupção, traição, criminalidade, obsessão por dinheiro, possessão. Avaliando, A favorita se mostra uma das tramas mais inconsistentes e fraca para o horário nobre da Globo. Falta o clima lúdico e contagiante das telenovelas. Ninguém ouve o povo repetir os bordões das personagens como é comum às grandes tramas do horário. Não há nenhum bordão em A favorita. Só se for aquele cacoete agudo insuportável de Flora dizendo o tempo todo: “Sil-vei-riii-nha!!!”. As personagens são sem graça. Nem parecem do mesmo autor de Pai Helhinho em Da cor do Pecado e Foguinho em Cobras e Lagartos ambas as personagens logo caíram no gosto popular. Não podemos deixar, é claro de reconhecer o mérito de Matheus Nachtergaele e Lázaro Ramos respectivamente. A trilha sonora não emplacou. Quando ouvimos algo ao longo dos capítulos é alguma musiqueta sertaneja de mau gosto. Seria melhor seu João Emanuel ficar mesmo fazendo comédia no horário das 19h. Lá é outro público, outro formato de trama, dispensa trabalhos mais elaborados. Deixa o horário das 20h para teledrematurgos da estampa de Manoel Carlos e Glória Perez.

Mas não é só isso. Os próximos textos serão sobre a homossexualidade em A favorita e outro sobre os fatos inexplicáveis (que o autor varreu pra debaixo do tapete, mas que nós não esquecemos) da novela. Aguardem.